Julho 4

Transformando espinafre em negócio na maior township de Cape Town

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Por Nathalia Marangoni em
Julho 4, 2017

Lar para cerca de 400,000 pessoas, Khayelitsha é uma das maiores townships da África do Sul. Situada a 25 km do sudeste de Cape Town, a comunidade, cujo nome vem da língua isiXhosa e significa “novo lar”, é composta por uma população majoritariamente negra e bastante jovem – menos de 7% de seus residentes tem mais de 50 anos e mais de 40% tem menos de 19. O índice de desemprego afeta mais da metade dos habitantes, o que contribui para uma alta taxa de crimes na região.

São notórios os resquícios deixados pelo apartheid na análise de alguns destes números: em 1950, a Lei de Áreas de Agrupamento (Group Areas Act) proibiu que pessoas negras, indianas ou “coloured” residissem em áreas urbanas, especialmente as centrais, obrigando-as a viver em regiões periféricas separadas por etnia. Khayelitsha foi uma destas áreas afastadas e, ignoradas pelo poder público, sendo habitada pela população negra. A escassez de serviços básicos e direitos fundamentais vivenciadas durante o período afetam a township até os dias de hoje.

Foto: Deon Raath

No entanto, a comunidade não é só conhecida por números ou histórias tristes: ela também é lar de pessoas extremamente criativas que, impulsionadas por grandes adversidades e um natural espírito empreendedor, conseguem criar iniciativas sustentáveis que fomentam a economia local, promovem a alimentação saudável e inspiram outras pessoas a desenvolverem seus próprios negócios e projetos.

Este é o caso do empreendedor social Lufefe Nomjana. Conhecido popularmente como o Rei do Espinafre, ele começou seu sonho aos 26 anos, com apenas 40 rands no bolso (algo em torno de 10 reais) e algumas folhas de espinafre cultivadas em uma horta comunitária em que ele atuava como voluntário. O dinheiro e a nutritiva matéria-prima foram o suficiente para que ele pudesse assar seus primeiros pães de espinafre no forno comunitário de Khayelitsha.

A partir desta primeira iniciativa, ele passou a assar, diariamente, 24 pães e vendê-los de porta em porta na comunidade. Em entrevista ao Design Indaba, o vegetariano Nomjana contou o que motivou a criação do empreendimento: “Eu comecei a pensar o que eu poderia fazer por Khayelitsha e eu precisava descobrir qual era o problema. Naquele momento, era alimentação insalubre, o que leva a uma atividade insalubre. Tudo ao meu redor era  insalubre: os alimentos, drogas, gangues e até a água que as pessoas bebiam”.

A qualidade de seu produto e a força de vontade em levá-los de todas as formas possíveis aos seus clientes contribuíram para que a reputação de Nomjana crescesse junto com suas vendas e atraísse a atenção da Pick n’ Pay. Ao notar os esforços do jovem à frente do negócio, a rede de supermercados realizou a doação de um forno e custeou um curso de curta duração em culinária e panificação. Em 2012, ele se formou pela Academia Raymond Ackerman de Desenvolvimento Empresarial, uma iniciativa voltada a jovens que desejam empreender.

Fotos: Site Spinach King e Mary-Anne Gontsana / GroundUp

No ano seguinte, a demanda pelos apetitosos pães de espinafre cresceu tanto que Nomjana teve que buscar ajuda: ele pediu a um gerente do supermercado Spar de Khayelitsha se poderia usar seus fornos em troca da oferta de uma boa quantidade de seus pães. A parceria contribuiu para que a capacidade produtiva de seu negócio saltasse de 24 pães diários a 120, permitindo a compra de equipamentos e a contratação de 5 funcionários.

O crescimento não parou por aí: no mesmo ano, ele recebeu a doação de bicicletas da ONG Bicyling Empowerment Network (BEN), o que foi uma verdadeira mão na roda para a distribuição dos pães, por se tratar de um veículo não poluente e que vai ao encontro dos ideias de Nomjana em promover um estilo de vida saudável. Entre 2014 e 2015, Somjana foi reverenciado pela Forbes Magazine como o “próximo conceito inovador da África” e recebeu importantes prêmios como o SAB Innovation Award e o Western Cape premier’s Entrepreneurship Recognition Awards.

O dinheiro das premiações permitiram que ele abrisse seu primeiro ponto comercial. Em 2016, com o incentivo da Virgin Active, o Rei do Espinafre expandiu sua marca e abriu a Spinach King Health Foods Café & Bakery, em KCT Mall, vendendo mais de 200 pães por dia. E o melhor de tudo isso: negócios rentáveis como o de Nomjana tem contribuído para que várias outras iniciativas similares comecem a pipocar em townships de toda a África do Sul. Para conhecer o Rei do Espinafre ainda mais a fundo, assista ao vídeo abaixo, produzido pelo projeto Great Big Story.


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Sobre o autor

Nathalia Marangoni

Nascida e criada na cidade mais populosa da América Latina, São Paulo, Nathalia tinha 13 anos quando ouviu pela primeira sobre Cape Town em um programa de TV. Depois de estudar Jornalismo, ela trabalhou por alguns anos em uma ONG dedicada ao empoderamento e empreendedorismo feminino, o que lhe permitiu viajar por diferentes regiões do Brasil, entrevistando e fotografando mulheres muito fortes. A experiência levou Nathalia a se sentir confiante o suficiente para se mudar de sua cidade natal e, finalmente, ver Cape Town com seus próprios olhos: um desejo antigo que dividiu águas em sua vida.

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