Abril 23

Descobrindo a culinária do Zimbábue no restaurante Pahari

Por Nathalia Marangoni em
Abril 23, 2018

A culinária do Zimbábue, bem como a de outros países da região sul da África, tem como prato principal o sadza (conhecido em outros países como pap, uma espécie de papa feita de farinha de milho muito parecida com a polenta) acompanhado de guarnições como muriwo (vegetais refogados, geralmente de cor verde escura como espinafre, couve e escarola), peixes e carnes variadas.

Uma típica refeição do Zimbábue.
Sadza, feijão-manteiga, muriwo e carne. Foto: George Ng’ethe

Por questões culturais e geográficas, é natural que existam aspectos, ingredientes e técnicas que diferenciem a culinária de um país da de seus vizinhos. Em busca  das particularidades da cozinha do Zimbábue, decidimos fazer uma visita ao Pahari African Restaurant, aberto na Cidade do Cabo em julho de 2017 pelo casal zimbabuano Caleb e Florence Mutakwa e seu filho, Tanaka, responsável pelas mídias sociais e marketing digital do restaurante.

Muito mais do que aprender quais são essas diferenças, tivemos a oportunidade de descobrir o que motivou a família a abrir um restaurante no bairro de Salt River, na Cidade do Cabo. Repleta de restaurantes internacionais, a charmosa cidade sul-africana conta com uma pequena proporção de restaurantes africanos na região do centro, onde os turistas costumam se concentrar.

Degustação de pratos do Zimbábue promovida pelo restaurante Pahari, na Cidade do Cabo
Degustação de pratos promovida pelo restaurante Pahari. Foto: Tanaka Mutakwa

Muitas vezes, esses restaurantes são extremamente turísticos, e abrangem uma ampla variedade de pratos que nem sempre são autênticos ou consumidos no dia a dia da população local. Quando não são turísticos, nem sempre atraem os viajantes de outros países por não investirem em estratégias de marketing mais incisivas. Não é o caso de Pahari e na entrevista a seguir, Caleb Mutakwa nos conta sobre o crescimento de seu restaurante e, claro, sobre os deliciosos pratos oferecidos em seu menu.

Conte-nos sobre a origem do restaurante Pahari e sua experiência anterior com a culinária africana.

Eu e minha esposa Florence trabalhamos com cozinha africana por um bom tempo. Costumávamos ter um lodge no Zimbábue chamado Zororo – “um lugar de descanso” em Shona – onde as pessoas passavam a noite e experimentavam os sabores da culinária africana, mais especificamente a do Zimbábue. O projeto deu muito certo. Tão certo que nos rendeu dinheiro suficiente para mandar nossos filhos para escola; eles vieram para a África do Sul estudar. Nos mudamos para cá e começamos a visitar lugares que oferecem serviços similares na Cidade do Cabo. Percebemos que havia uma lacuna que poderíamos preencher, no que diz respeito à oferta de pratos tradicionais do Zimbábue.

Cliente pronta para atacar refeição do Pahari African Restaurant.
No Zimbábue, as refeições são consumidas com as mãos. Na foto, mashakada, chakalakha e muriwo. Foto: Tanaka Mutakwa

O que motivou o nome do restaurante?

Nós chamamos o restaurante de Pahari African Restaurant porque a maioria dos alimentos consumidos na África, em especial na região sul – em países como Botsuana, África do Sul, Zimbábue – é bastante similar. Por isso, atraímos clientes de outros países africanos. “Hari” é uma panela ou caçarola feita de barro, na qual nossas mães costumavam cozinhar. O prefixo “pa” faz referência ao lugar onde as caçarolas são mantidas. Minha esposa inventou esse nome: Pahari, lugar de caçarolas.

Como você descrevia a clientela do Pahari?

Temos incorporado alguns itens que vêm do Zimbábue, que acredito serem muito atrativos para a clientela zimbabuana que vive na Cidade do Cabo. Ao longo do caminho, começamos a esbarrar em um segmento diferente de clientes: os sul-africanos e os estrangeiros, como alemães e brasileiros. Também recebemos muitos estudantes de vários países, especialmente do Maláui e da Zâmbia, devido à proximidade: desfrutamos praticamente do mesmo tipo de comida. Então, em termos percentuais, a clientela zimbabuana está sendo reduzida, sendo superada. Por isso a denominação “restaurante africano”. Nós gostamos de pensar que ainda que sejamos um restaurante especializado na culinária do Zimbábue, também estamos atraindo clientes de outros países e isso é muito empolgante.

Vista panorâmica do Pahari African Restaurant, Cidade do Cabo
Pahari African Restaurant recebeu grande apoio no dia de sua inauguração. Foto: Tanaka Mutakwa

Conte-nos sobre ingredientes e pratos exclusivos do Zimbábue.

Deixe-me começar pelos vegetais. Temos uma variedade de vegetais que, quando disponíveis no verão, nós os desidratamos, de forma a poder cozinhá-los ao longo do ano todo. Usamos predominantemente manteiga de amendoim para cozinhá-los. Nossa manteiga de amendoim vem do Zimbábue e tem um sabor bem diferente da local. Nossos vegetais, os desidratados, também são do Zimbábue, como bitter leaves (vernonia) e muboora (folhas de abóbora).

Também temos uma iguaria muito popular chamada de mopane worms, ou vermes mopane. Mas eu não gosto do termo “verme” (risos). Quero criar um novo nome e tirar a palavra “verme” do termo. Isso também é algo típico do Zimbábue. Eu entendo que é um inseto, ou verme, da região sul da África, que é cultivado no verão. Há três formas de prepará-lo: como petisco (seco, acompanhado de um molho picante), como um acompanhamento (cozido com manteiga de amendoim) ou simplesmente frito, com tomate.

Uma refeição típica do Zimbábue.
Mashakada, chakalahkha muriwo e porção de carne. Foto: George Ng’ethe

Também posso mencionar a mashakada, que é um arroz integral cozido com manteiga de amendoim. Um produto do Zimbábue que você não encontra em nenhum outro lugar. É um tipo de arroz selvagem que é cultivado na região pantaneira do país. Depois da colheita do arroz, os grãos são enviados para a o maquinário, para a raspagem da casca dura que os envolve. É um arroz de cor acastanhada que, quando cozido com manteiga de amendoim e preparado da forma correta, é simplesmente delicioso.

Também temos outros tipos de sadza que diferem em cor (ao invés de branco, são marrom ou vermelho) e podem ser servidos de diferentes formas. Ao invés da farinha de milho, são preparados a partir de milhete, sorgo ou rapoko (em português, capim-pé-de-galinha). Por falar nisso, o sadza de sorgo é recomendado para os que têm diabete e possui níveis baixos de gordura.

Sadza, vermes mopane, vegetais cozidos na manteiga de amendoim e zondo (pé de boi). Foto: Tanaka Mutakwa

Existe algum prato que foi incorporado ao menu do Pahari por demanda popular? 

Um bom exemplo disso é o peixe kapenta. Recebemos uma vez um grupo de médicos, pós-graduandos, que por algum motivo queriam o peixe kapenta e recomendarem que o adicionássemos ao menu. Vende muito bem e rápido. É um peixe pequenino de água fresca, que se assemelha à sardinha, e pode ser consumido como um acompanhamento para o pap. Tem um ótimo sabor e por isso é muito importante desenvolver seu negócio a partir do feedback do seu cliente, levando em conta o que eles desejam.

Como você avalia o primeiro ano do restaurante Pahari?

Posso lhe dizer que a velocidade com que as coisas têm acontecido é impressionante. Estamos bastante surpresos. Quando lançamos o restaurante, tínhamos cerca de 500 clientes por mês. Agora, atraímos por volta de 3.000. Isso é um grande salto. Nós não estamos falando de números, porque alguns deles não envolvem dinheiro, ainda não temos registrado lucro, estamos tentando crescer. Mas definitivamente, no futuro, devemos ver as coisas acontecendo. Porque o que é importante em um negócio é como você paga suas contas e nós conseguimos pagar as nossas; o que precisamos é colocar lucro na nossa conta bancária e poder expandir.

Visita da Rhino Africa ao restaurante Pahari, Cidade do Cabo
Fomos muito bem recebidos por Caleb, Florence e Tanaka Mutakwa durante nossa visita ao Pahari African Restaurant.

O crescimento não é planejado – fazemos a coisa certa e o crescimento nos encontra. É assim que vemos as coisas. Certamente, esse foi um período muito empolgante para mim, minha esposa e meu guru do marketing, meu filho. Quando julho chegar (primeiro aniversário do Pahari), serei capaz de te contar mais coisas. Mas tudo tem sido maravilhoso: parte de nossos sócios são nossos clientes. A empolgação de nossa clientela é porque oferecemos a melhor culinária africana que pode ser descrita. Nós não somos uma fusão de nada e temos preços acessíveis – atraímos desde clientes de baixa renda até milionários. Eu não sei se vamos segmentar nosso negócio, mas ele é definitivamente acessível, tem um conceito novo e é simples, porque é simplesmente sadza e todo o resto.


O endereço do Pahari African Restaurant é 121 Cecil Rd, no bairro de Salt River da Cidade do Cabo. Para mais informações sobre seu menu e história, acesse seu site oficial: pahari.co.za ou fique por dentro de suas atualizações no ótimo Instagram do Pahari, gerenciado por Tanaka, filho de Caleb. 

O restaurante não possui licença para vender bebidas alcoólicas, mas os clientes são mais do que encorajados a trazerem suas próprias garrafas de vinho para consumirem no local. 


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Sobre o autor

Nathalia Marangoni

Nascida e criada na cidade mais populosa da América Latina, São Paulo, Nathalia tinha 13 anos quando ouviu pela primeira sobre Cape Town em um programa de TV. Depois de estudar Jornalismo, ela trabalhou por alguns anos em uma ONG dedicada ao empoderamento e empreendedorismo feminino, o que lhe permitiu viajar por diferentes regiões do Brasil, entrevistando e fotografando mulheres muito fortes. A experiência levou Nathalia a se sentir confiante o suficiente para se mudar de sua cidade natal e, finalmente, ver Cape Town com seus próprios olhos: um desejo antigo que dividiu águas em sua vida.

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